Fundação Bradesco - Canuanã, projeto do escritório de arquitetura Rosenbaum

Moradas Infantis Canuanã – Fundação Bradesco

Edifício de moradia para 540 crianças e adolescentes na Escola-fazenda de Canuanã noTocantins. O projeto recebeu diversos prêmios, entre eles o RIBA (Royal Institute of British Architects) em 2018 | Rosenbaum + Aleph Zero

 

A Escola-fazenda de Canuanã é tão imensa quanto a paisagem local. Localizada no interior do Tocantins, em Formoso do Araguaia, ela é uma escola rural que funciona em regime de internato. Tem aproximadamente 1.200 crianças e é mantida pela Fundação Bradesco há quase 40 anos.

A convite da fundação, a Rosenbaum recebeu o desafio de redesenhar as moradas dos alunos de 11 a 18 anos. Para este projeto, trouxemos todas as premissas que acompanham o desenvolvimento da metodologia do A Gente Transforma.

O projeto de arquitetura se tornou então uma oportunidade de construir uma prática transversal e inclusiva, que passou pelas questões da ancestralidade e território, espaço público e espaço privado, tratando de construir lugares, entendendo como o espaço e as origens proporcionam a criação de laços afetivos, identidade e pertencimento. Para o trabalho convidamos o jovem escritório de arquitetura Aleph Zero a fim de compor conosco um time de projeto e desenvolvimento. 

Nas novas moradas vivem hoje 540 crianças e adolescentes, filhos de assentados, caboclos e indígenas que moram na zona rural do centro-norte brasileiro. 

 

TECNOLOGIA SOCIAL

“A proximidade da realidade sociocultural, diversa daquela comum ao pesquisador, exige laços e olhares que partem de outro lugar, de dentro do contexto em estudo, para estabelecer proximidade com as vozes do lugar, de perto e de dentro.”

José Guilherme Magnani – antropólogo/etnógrafo

Arquitetura e design são ferramentas de transformação social, que nascem do encontro da natureza com a mão do homem. Ambos dependem de outros fatores. Esse conceito torna o exercício de projeto uma prática transversal, interligando antropologia e geografia, arte e política, com a crença de que o desenho pode dar autonomia se pensado além do ponto de vista funcional da arquitetura, dentro do contexto social.

O Instituto A Gente Transforma empregou neste projeto sua tecnologia social, que auxilia na reconquista da autoestima das comunidades por meio de ações que retomam saberes ancestrais e trazem benefícios concretos para o indivíduo e suas comunidades: visão de futuro, prosperidade. Passo ambicioso que impacta toda a sociedade, a partir da visão integrada de saberes de ontem e hoje.

O projeto foi concebido numa sequência de imersões, que criaram uma ampla visão do contexto, para depois desenvolver uma estratégia de projeto.

A primeira imersão foi a focada na aproximação com os alunos, moradores da escola. Nesse diálogo, foi possível entender que as crianças não reconheciam a escola como sua casa, apesar de morarem lá por 13 anos. Esse foi o fio condutor de todas as etapas seguintes. 

Em seguida, partimos para o reconhecimento do entorno e das raízes ancestrais das crianças, um olhar para referências e bagagens trazidas com eles em forma de afeto, a lembrança do conforto e tecnologias empíricas empregadas nas construções das casas dos pais e avós, revertendo o olhar de aparente escassez para um universo de abundância. Foi uma incursão na cultura cabocla e indígena local Javaé, povos que guardam saberes valiosos a partir de sua integração com a natureza exuberante, as temperaturas e chuvas extremas, para criar no projeto um diálogo entre o espaço, a memória e a imaginação.

Criamos então, junto com os alunos e professores, o Festival Cultural Canuanã é Minha Casa, que levou para a escola pela primeira vez apresentações culturais dos pais e familiares dos alunos, promovendo a integração dos saberes e fazeres locais com o lugar do ensino, expandindo o conceito de cultura no meio das crianças e educadores.

O festival abriu a semana de desenho coletivo, que teve escuta, propostas e suposições da equipe de projeto com os alunos, com o papel em branco. Tratamos de questões relacionadas ao espaço que os corpos ocupam. Lidamos com a importante questão do espaço público e privado dentro das moradas.

Essa atividade incluiu as crianças moradoras dos antigos alojamentos que agrupavam 40 pessoas, e resultou na planta das moradas na forma como elas estão configuradas hoje. Partimos do microespaço, definindo com os estudantes o numero de pessoas por quarto, o distanciamento entre as camas e a distribuição de quartos em conjunto, o que configurou a planta com pátios. O projeto nasceu como consequência das necessidades e do protagonismo dado às crianças, com suas vozes criativas. 

A partir desse dia, a equipe de arquitetura desenvolveu e agregou conhecimento e tecnologia para transformar o aprendizado com as crianças em dois edifícios

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“Para emancipar alguém, é preciso ser-se emancipado. É preciso conhecer-se a si mesmo como viajante do espírito, parecido com todos os outros viajantes, como sujeito intelectual participante da potência comum dos seres intelectuais.”

Jacques Rancière – filósofo

ARQUITETURA

A nova morada se organiza em duas vilas, uma masculina e outra feminina, que implantamos em dois extremos da fazenda, com 45 unidades de seis alunos em cada. Essa implantação cria um eixo “urbano” que norteia a paisagem e libera espaço para que o centro da fazenda seja futuramente ocupado apenas pelas atividades educacionais. Cada quarto está organizado em três camas-beliche, com lavanderia e banheiro. O mobiliário foi todo desenvolvido para criar privacidade e coletividade.

Embaixo de uma grande sombra, cada morada tem três grandes pátios centrais que recriam um quintal de paisagem local, integrando exterior e interior. No canteiro central, um espelho de água fresca coleta a água da cobertura e devolve o excesso para o rio Javaé, num diálogo com a natureza. Os quintais, ou pátios, são áreas de descanso com redes e bancos que trazem possibilidade de silêncio, isolamento e integração das crianças.

No pavimento superior, as áreas de jogos, estudo e TV integram as moradas criando um programa de casa, longe da referência de alojamento.

Os edifícios têm estrutura de madeira laminada colada (MLC), alta tecnologia que possibilita a fabricação industrial de madeira certificada, tendo como consequência o resultado leve e o baixo impacto ambiental. A Escola-fazenda de Canuanã é considerada a maior construção de madeira da América Latina, com aproximadamente 1.100 m3 de madeira reflorestada.

As paredes de tijolos de solo-cimento foram fabricados na obra, com o solo da própria fazenda. Os tijolos são prensados e moldados in loco com o dimensionamento necessário para obter o melhor desempenho e, depois, secos ao sol. Devido à sua propriedade física, os tijolos possuem uma maior inércia, reduzindo em 7o C a temperatura interna das moradas.

Em composição com os tijolos de adobe, o paisagismo feito a partir das espécies locais confere ao projeto uma integração da arquitetura ao processo pedagógico baseado na tradição e inovação.

Cada quarto recebeu o nome de um animal ou planta da região, ilustrados em grafismos indígenas sobre a palha, confeccionados pelos Javaés.

Durante toda a obra, em vários momentos os alunos foram fazer visitas às moradas, que tinham tapumes com janelas para que sempre fosse possível acompanhar o processo. 

A entrega das moradas para as crianças foi um dia que nunca vamos esquecer. 

À Fundação Bradesco, nosso muito obrigado por acreditar que a arquitetura é um exercício de transformação.

   

   

   

   

“The best new building in the world. Needs to wake us out of our everyday stupor to something challenging that teaches us why architecture is still relevant.”

Elizabeth Diller – US practice Diller Scofidio + Renfro and chair of the 2018 RIBA International Prize jury

 

Logo do Riba - Royal Institute British Architects - Vencedor do Prêmio 2018

“O prêmio acaba sendo de grande importância, pois mostra que, mesmo com tudo que o país tem passado, é possível fazer um trabalho grandioso. E respeitando a arquitetura local. Era necessário entender como os alunos desejavam morar. Queria que as pessoas envolvidas fossem até a escola, antes de mais nada, e vissem aquilo de perto. Eu tinha que entender como os alunos gostariam que ficasse. Assim, o Marcelo Rosenbaum acabou por fazer um trabalho de contribuição com os alunos mais velhos.”

Denise Aguiar Alvarez diretora da Fundação Bradesco e neta de Amador Aguiar (1904-1991), fundador do Bradesco

  

 

“O título é destinado a um edifício que exemplifica a excelência do projeto e a ambição arquitetônica, além de proporcionar um impacto social significativo.

RIBA – Instituto Real de Arquitetos Britânicos

    

   

   

Localização

Um bioma mágico, onde o encontro do homem branco encontrou a tribo Javaés guiado pela grandiosidade do rio

Formoso do Araguaia é o município de maior extensão territorial do estado do Tocantins, onde Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica coexistem. Um bioma mágico, onde o encontro do homem branco encontrou a tribo Javaés guiado pela grandiosidade do rio. Hoje, as histórias da terra e do índio são delicadamente protegidas pela fronteiras da reserva nacional, criada no final da década de 1990, culturas que não dialogam. Por isso propor a riqueza do encontro das cultura ancestrais e cultura contemporânea para dentro das paredes da escola é tão significativo dentro desse projeto.

 

fotos

Fotos: Leonardo Finotti – Tomie Ohtake

Fotos: Cristobal Palma

  

PRÊMIOS

 

Vencedor do Riba International Prize

2018

 

Vencedor do Riba International Emerging Prize

2018

 

Finalista no Mies Crown Hall Americas Prize Emerge

IIT College of Architecture Chicago

 

Vencedor do Prêmio Archdaily

Obra do Ano / Best Educational Building in Brazil – 2018

 

Vencedor do Prêmio Amata Ibramen
Wood Building of the Year – 2018

 

Vencedor do Prêmio Saint-Gobain

Sustainable Prize with Children Village – 2018

 

Vencedor do Prêmio IBRAMEM AMATA
Arquitetura em Madeira – 2018

 

Vencedor do Prêmio Instituto Tomie Ohtake Akzo Nobel

Arquitetura Contemporânea – 2017

 

Vencedor do Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)

Obra de Arquitetura no Brasil – 2017

 
 

FICHA TÉCNICA

Cliente

Moradias dos Alunos da Fundação Bradesco / Canuanã

Local
Formoso do Araguaia – Tocantins – Brasil

Área
23.344,17 m2

Ano do projeto
2015

Ano da construção
2017


Metodologia de Projeto
A Gente Transforma

Arquitetura

Rosenbaum (Marcelo Rosenbaum, Adriana Benguela)
Aleph Zero (Gustavo Utrabo, Pedro Duschenes)

Projeto, fabricação e construção da estrutura de madeira

Ita Construtora

Projeto de paisagismo

Raul Pereira Arquitetos Associados

Projeto de Luminotecnica

Lux Projetos Luminotécnicos

Projeto de Fundações

Meirelles Carvalho

Consultoria em conforto térmico

Ambiental Consultoria

Instalações

Lutie

Lajes em concreto
Trima

Construtora

Inova TS

Gerenciadora

Metroll

Design mobiliário
Rosenbaum e o Fetiche

Fotos
Leonardo Finotti
Cristobal Palma

Fotos da construção
Diego Cagnato

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